Climate Governance Initiative

Brazil (Portuguese)

3 August 2023

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O Brasil é signatário do acordo internacional sobre Mudanças Climáticas da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Acordo de Paris), que foi incorporado ao ordenamento jurídico nacional com força de lei por meio do Decreto Federal nº 9.073/2017. 

Em dezembro de 2019, a Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal realizou uma avaliação da Política Nacional sobre Mudança do Clima para verificar as principais dificuldades enfrentadas para sua implementação, bem como para identificar os pontos que merecem alterações. Tal avaliação resultou, dentre outros, no Projeto de Emenda Constitucional nº 233/2019, que visa incluir na Constituição Federal brasileira uma disposição que estabelece que toda atividade econômica no Brasil deve ser orientada pela necessidade de "manutenção da estabilidade climática, adotando ações de mitigação da mudança do clima e adaptação aos seus efeitos adversos".

Em outubro de 2021, foi promulgado o Decreto nº 10.846/2021 instituindo o Programa Nacional de Crescimento Verde, que estabelece um programa de "crescimento Verde" com o objetivo de aprimorar o desenvolvimento sustentável, criar empregos verdes, promover a conservação de florestas e da biodiversidade, e reduzir as emissões de gases de efeito estufa de modo a facilitar a transição para uma economia de baixo carbono. Outras políticas relacionadas foram promulgadas ou estão em discussão, tais como a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano (introduzida pelo Decreto nº 11.003/2022). O Programa Nacional de Hidrogênio (instituído pela Resolução CNPE n° 6/2022). Em maio de 2022, foi aprovado o Decreto Federal Nº 11.075/2022, que estabelece orientações para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE). Uma vez totalmente estabelecido, o SINARE funcionará como um registro centralizado para remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa, assim como de atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões.

De acordo com tal Decreto, os agentes que atuam nos setores de (i) geração e distribuição de energia elétrica; (ii) sistemas de transporte público urbano e interestadual de passageiros e cargas; (iii) indústria de transformação e bens de consumo duráveis; (iv) indústria química fina e básica; (v) indústria de celulose e papel; (vi) mineração (vii) construção civil (viii) serviços de saúde; e (ix) a agropecuária terão metas de redução de emissões de GEE estabelecidas pelo Poder Executivo nos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. O Decreto inovou também ao definir os créditos de carbono como ativos financeiros, mas ainda há pendência de  regulamentação. 

No mais, existem vários projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional visando regulamentar um mercado de carbono no Brasil, e a perspectiva é que em breve a regulamentação sobre o assunto seja definida e aprovada. Ainda, em março de 2023, foi aprovada pela Câmara dos Deputados a Medida Provisória n° 1.151/2022, que altera regras da Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei n° 11.284/2006) de modo a estimular o mercado de créditos de carbono. Em geral, as alterações preveem que os créditos de carbono e outros serviços ambientais decorrentes da redução ou remoção de emissões de GEE poderão ser incluídos no objeto das concessões de florestas públicas, unidades de conservação, terras públicas e patrimônios de entes federados.

O dever dos diretores e as mudanças climáticas

As sociedades limitadas e as sociedades anônimas são os tipos mais comuns de companhias no Brasil e são legalmente constituídas enquanto organizações de fins econômicos. O quadro legal brasileiro, em especial (i) a Constituição Federal de 1988, conforme alterações (“Constituição Federal”); (ii) a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, conforme alterações (“Código Civil”)2; e (iii) a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, conforme alterações (“Lei das Sociedades Anônimas”) instituem, ainda que indiretamente, que as companhias devem seguir princípios de sustentabilidade e princípios relacionados ao clima em conjunto com seus propósitos corporativos.

O sistema jurídico brasileiro estabelece uma série de princípios que norteiam a condução da atividade econômica, tais como a função social da propriedade, a função social dos contratos, a proteção ambiental e a redução das desigualdades regionais e sociais, conforme estabelecido na Constituição Federal3 e no Código Civil.4 De modo geral, tais princípios são aplicáveis a todas as entidades que compõem a economia brasileira; portanto, poderia ser argumentado que todas as sociedades anônimas e sociedades limitadas – incluindo seus diretores e administradores –, têm o dever implícito de empregar melhores esforços em, pelo menos, minimizar os impactos negativos aos aspectos de sustentabilidade, incluídos aqueles relacionados a mudanças climáticas.

Além disso, a Lei das Sociedades Anônimas também foca indiretamente em aspectos de sustentabilidade, atribuindo responsabilidade fiduciária a gerentes e acionistas controladores. Nesse sentido, os artigos 1165 e 1546 da Lei das Sociedades Anônimas contêm disposições sobre a necessidade de harmonizar o interesse de cada empresa em gerar lucros com seus impactos socioambientais.7 Da mesma forma, o inciso VI do artigo 170 da Constituição Federal também estabelece que toda atividade econômica ou financeira conduzida no Brasil deve ser guiada pelo princípio da proteção ambiental.8

A Política Nacional de Meio Ambiente, por sua vez, impõe uma série de procedimentos para prevenir, mitigar e reparar danos ambientais, que devem ser observados por todas as empresas. Embora não existam deveres específicos para os diretores sobre aspectos relacionados a mudanças climáticas, caso as empresas não cumpram as normas existentes e contribuam - ainda que indiretamente - para o dano ambiental, elas podem ser responsabilizadas no âmbito civil por responsabilidade objetiva e solidária pela degradação ambiental.

Ademais, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que estabelece os crimes ambientais e sanções administrativas, impõe penalidades criminais e administrativas a pessoas físicas e jurídicas cuja conduta e atividades sejam danosas ao meio ambiente. Pessoas físicas (como diretores)9 ou pessoas jurídicas que cometam uma ofensa criminal contra o meio ambiente também podem ser punidas com sanções que variam desde multa até prisão (pessoas físicas) ou dissolução (pessoas jurídicas). A responsabilidade administrativa inclui ainda a aplicação de multas e, no pior cenário, a suspensão total das atividades. Importante observar que, nos termos da Lei nº 9.605, os acionistas poderão ser responsabilizados mediante a desconsideração da personalidade jurídica, que será admitida sempre que a pessoa jurídica se tornar um obstáculo à recuperação de danos ambientais.

Portanto, apesar de a maioria das leis e regulamentos atuais não exigir diretamente que os diretores considerem questões de mudanças climáticas, ao analisar o quadro legal brasileiro é possível argumentar que conselheiros e acionistas controladores podem, em alguns casos, estar potencialmente em descumprimento com seus deveres fiduciários caso persigam objetivos que, de qualquer forma, sejam contrários aos interesses de longo prazo de sua comunidade e da sociedade como um todo e, para tanto, contrários à prevenção das mudanças climáticas.

Além da legislação e regulação, as questões relacionadas à sustentabilidade têm ganhado proeminência nos mercados financeiros e de capitais brasileiros, visto que uma série de stakeholders brasileiros têm adotado iniciativas ou demonstrado sua preocupação com os impactos associados. Por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”) recentemente incluiu a geração de impactos positivos de sustentabilidade nos requisitos de qualificação de seus processos licitatórios e também adotou um processo de triagem para excluir de seu portfólio projetos com resultados de impacto de sustentabilidade negativos.

Obrigações dos diretores de transparência e mudanças climáticas

A Lei Brasileira das Sociedades Anônimas atribui ao conselho de administração e outros órgãos que compõem as sociedades anônimas e sociedades limitadas o dever de divulgar, em geral e sempre que necessário, todas as informações que possam afetar negativamente o meio ambiente, dentre outras. O dever de informar, em adição às boas práticas, como definido pela soft law brasileira, cria condições para que os investidores, o mercado e os órgãos fiscalizadores conduzam análises mais complexas das ações tomadas pelas companhias e seus impactos no meio ambiente e outras questões de sustentabilidade.

Nesse contexto, a Instrução nº 80/2022 da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) estabelece a obrigação para as companhias abertas de divulgar em seus registros (i) os fatores de risco relacionados a questões ambientais; (ii) os efeitos da regulação sobre a aspectos ambientais da empresa e custos de compliance; e (iii) informações ESG da empresa.

Em dezembro de 2021, a CVM publicou a Resolução CVM nº 59 – republicada posteriormente por meio da Resolução CVM nº 87 –, que entrou em vigor em 2 de janeiro de 2023. A Resolução CVM 59 altera a Regra n° 80/22 para obrigar as empresas de capital aberto a divulgar, com base na ideia de “pratique ou explique”, determinadas informações de Ambiental, Social e Governança (“ESG”, na sigla em inglês), incluindo (i) os principais aspectos de compliance frente as obrigações legais e regulatórias; (ii) indicadores-chave de desempenho sobre as métricas ESG; (iii) descrição sobre o papel dos órgãos administrativos na avaliação, gestão e supervisão dos riscos e oportunidades relacionados ao clima; (iv) uma declaração a respeito da realização de inventários de emissões de GEEs e os escopos inventariados; e (v) uma declaração a respeito da existência de compatibilidade entre a divulgação de riscos climáticos com as recomendações do TCFD, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (“ODS”), ou outras divulgações financeiras relacionadas à sustentabilidade recomendadas.

Os standards de declarações voluntárias continuam a fornecer orientações para empresas brasileiras sobre transparência relacionada a questões de sustentabilidade. O Índice de Sustentabilidade Empresarial – ISE B3, iniciativa voluntária que classifica as empresas de capital aberto em matéria de sustentabilidade, também estabelece uma série de detalhes que devem ser apresentados pelas empresas selecionadas em relação ao meio ambiente, com um questionário específico para mudanças climáticas. Dentre outras informações, as empresas devem divulgar avaliações sobre seus impactos sobre o clima e sobre sua exposição aos impactos relacionados ao clima, bem como seus planos para gerenciar e prevenir tais impactos.

Outra iniciativa voluntária é o Índice CDP Brasil de Resiliência Climática, criado em março de 2020 pela Organização Não Governamental britânica Carbon Disclosure Project (“CDP”). Esse índice procura estabelecer uma relação entre os dados ambientais declarados pelas empresas e suas performances financeiras, bem como serve como uma referência para os investidores para avaliarem a transparência das empresas em relação às políticas e ações adotadas em relação às mudanças climáticas, reforçando os drivers vistos nos mercados de capitais brasileiros para que os diretores assumam a responsabilidade por suas decisões em relação às divulgações relacionadas ao clima. Em 2021, o questionário utilizado passou por mudanças específicas, como a inclusão de uma pergunta relativa às metas net-zero.

Outras disposições para instituições financeiras

O BCB reconheceu os riscos decorrentes das mudanças climáticas à estabilidade financeira e apresentou suas metas e ações que vem adotando no seu Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas.10 O BCB e o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) também aprovaram regulações exigindo que certas instituições financeiras publiquem um Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas, incluindo informações sobre governança de riscos climáticos, ambientais e sociais, os reais e potenciais impactos de tais riscos e os processos de gerenciamento destes.11 O BCB também aprovou regulamentação exigindo que as entidades financeiras adiram a um conjunto de princípios da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) na condução de seus negócios. As empresas incluídas no escopo são obrigadas a nomear um diretor responsável pelo cumprimento dessas diretrizes.

Implicações práticas para os diretores

Dado que os representantes e reguladores brasileiros têm se tornado mais enfáticos ao recomendar – e tão logo regular – a necessidade das empresas e seus diretores de adotar medidas de resiliência climática em seus negócios e suas declarações, em particular o supracitado Projeto de Emenda Constitucional nº 233/2019, o Código Civil, a Lei de Sociedades Anônimas, a Política Nacional do Meio Ambiente e a Resolução CVM nº 80, alterada pelas Resoluções 59 e 87, junto de iniciativas de instituições financeiras públicas e privadas, conselhos de administração bem assessorados irão:

  1. Delegar a identificação e avaliação dos riscos climáticos para um time de gerenciamento bem identificado que relataria diretamente ao CEO e ao conselho;
  2. inserir na agenda para o conselho dentro de 3 ou 6 meses um processo para iniciar o desenvolvimento de um roteiro de transição climática até 2050 com metas transparentes baseadas na neutralidade de carbono ou na redução de emissões baseadas na ciência, com metas interinas claras até 2040, 2030 e o atual plano estratégico plurianual validado por organizações internacionalmente reconhecidas, para posterior reporte periódico ao conselho;
  3. delegar ao(s) comitê(s) apropriado(s) do conselho, tais como risco, auditoria, jurídico e de governança, cenários / estratégias, nomeações / remuneração, ou sustentabilidade / responsabilidade corporativa, a tarefa de traduzir a estratégia de longo prazo em um processo claro de tomada de decisão para cada aspecto que é relevante para cada comitê; e
  4. discutir com o conselho de transparência, a fim de desenvolver um plano externo de engajamento e comunicação, incluindo divulgações qualitativas e quantitativas, para evitar a publicação de informações eventualmente enganosas.

 

Contribuidores:

Lina Pimentel Garcia, Mattos Filho Brazil

Tábata Boccanera Guerra de Oliveira, Mattos Filho Brazil

 

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End notes:

1: Federal Union v Silva et al., Interlocutory Appeal No 5016374-49.2021.4.03.0000.
3: Art. 170, Constituição Federal: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III – função social da propriedade; [...] VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; [...] VII – redução das desigualdades regionais e sociais; [...]”.
4: Art. 421, Código Civil: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.
5: Um acionista controlador deve usar seu poder de controle para fazer com que a sociedade cumpra seu propósito e desempenhe seu papel social, e deve ter deveres e responsabilidades para com os outros acionistas da sociedade, aqueles que trabalham para a sociedade e a comunidade na qual ela opera, cujos direitos e interesses o acionista controlador deve respeitar lealmente e se atentar.
6: Um dirigente deve usar os poderes a ele conferidos por lei e pelos estatutos para atingir os objetivos corporativos da sociedade e para apoiar seus melhores interesses, incluindo as exigências do público em geral e do papel social da sociedade.
7: Art. 154, §4º, Lei das Sociedades Anônimas. Em vista das responsabilidades sociais da sociedade, a conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a realização de atos gratuitos razoáveis em benefício dos funcionários ou da comunidade à qual a sociedade pertence.
8: Sobre este assunto, o Supremo Tribunal Federal brasileiro proferiu decisão declarando que "a atividade econômica não deve ser decretada em oposição aos princípios estabelecidos para garantir a proteção ambiental". (Supremo Tribunal Federal, ADI 3.540, Juiz Relator Juiz Celso de Mello, sentença proferida em 09.01.2005, publicada em 2 de março de 2006). Nos termos do artigo 927 do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015), este é um precedente vinculante que deve ser observado pelos tribunais.
9: É importante mencionar que, no caso do rompimento da barragem da Samarco, os diretores da Vale e da BHP foram incluídos como réus em um processo criminal referente ao acidente. No entanto, segundo informações públicas, a ação foi julgada improcedente em relação a alguns desses diretores porque o juiz considerou que eles não tinham o poder de influenciar a gestão da empresa e, portanto, não poderiam ser considerados como autores dos crimes. Além disso, há também um processo administrativo perante a Comissão de Valores Mobiliários para apurar qualquer violação do dever fiduciário de alguns conselheiros da Vale em razão do rompimento da barragem de Brumadinho. Não há informações públicas disponíveis sobre este processo.
10: Banco Central Do Brasil, Report on Social, Environmental and Climate-related Risks and Opportunities: Volume 1 (September 2021) <https://www.bcb.gov.br/en/publications/report-risk-opportunity>.
11: Banco Central Do Brasil, New regulations on social, environmental, and climate-related risk disclosures, 15/09/2021. <https://www.bcb.gov.br/content/about/legislation_norms_docs/BCB_Disclosure-GRSAC-Report.pdf>.